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Personalidades afro religiosas de Ananindeua recebem homenagens em sessão solene na Câmara Municipal

O evento reconheceu aqueles que contribuem para as tradições afro religiosas no município e enfrentam a violência, discriminação e intolerância religiosa.

18/04/2024 08h35
Por Denis Baima (GABINETE)

Participantes da solenidade.

Na manhã da quarta-feira (17), no salão da Associação Comercial de Ananindeua (ACIA), foi realizada a sessão especial de outorga do mérito afro religioso: Comenda “Pai Ayrton Soeiro”. A comenda foi uma proposição da Secretaria Municipal de Gestão de Governo (SEGOV), por meio do Conselho Municipal de Promoção da Igualdade Racial (COMPIR), aprovada pela Câmara Municipal por meio da resolução Nº 003/2023, que visa reconhecer e homenagear pessoas que atuam no sacerdócio e colaboram para o desenvolvimento das tradições de matrizes africanas e do culto do Candomblé no município de Ananindeua. 

Em uma manhã de muita festa e emoção para os praticantes das religiões de matrizes africanas de Ananindeua, mais um passo em direção à igualdade, respeito e liberdade às crenças, cultura e manifestações religiosas foi dado, um princípio fundamental garantido pelo artigo 5º da Constituição Federal brasileira. 

Ana Poty Medeiros, coordenadora da COMPIR. A coordenadora da COMPIR, Ana Poty Medeiros, destacou a importância deste evento para o reconhecimento e a valorização das religiões de matrizes africanas e do culto do Candomblé por meio da Comenda Pai Ayrton Soeiro.

“É um passo importante para combater o preconceito e a perseguição que essas comunidades enfrentam. A iniciativa de homenagear 25 casas, sacerdotes, cuidadores e zeladores demonstra um comprometimento real com a promoção da igualdade racial e religiosa em Ananindeua”, falou a coordenadora. 

A criação do Conselho Municipal de Igualdade Racial, que discute e propõe soluções para as problemáticas enfrentadas pelos diversos segmentos da população negra, é fundamental para promover a conscientização e a defesa dos direitos dessas comunidades. A luta contra o preconceito e a perseguição religiosa é uma batalha constante, complementou Ana Poty Medeiros. 

Rita Souza, neta de Pai Ayrton.Neta do Pai Ayrton Soeiro, a professora de escola técnica, artista de terreiro, cantora e compositora, Rita Souza, falou um pouco do legado do líder espiritual e seu trabalho, amor próximo, serviços à sociedade e honra aos ancestrais, que se perpetuam até os dias de hoje.

“Nosso amado avô, que construiu junto àqueles que o acompanhavam - meu pai, minha mãe, meus tios - uma linda história de amor pelo Axé. Desde o tempo da Senzala, os pretos são maltratados, são perseguidos, e quando falamos hoje da comenda ‘Pai Ayrton Soeiro’, é como se estivéssemos vivendo uma segunda abolição. Falar de axé é falar de amor, solidariedade, respeito; é seguir o legado que Pai Ayrton Soeiro nos deixou”, falou emocionada Rita Souza, que foi uma das personalidades afro religiosas a receber a comenda com o nome de seu avô. 

João ConceiçãoO professor, pedagogo e historiador pela Universidade Federal do Pará, João Conceição, que também é zelador de santo da casa e instituto Xangô Ayrá no bairro do Curuçambá, estava emocionado por receber a comenda e feliz por fazer parte dessa história que se entrelaça com sua história de vida. Além disso, estava entusiasmado por ver tantas pessoas envolvidas nesse dia histórico para as religiões de matrizes africanas.

“É realmente inspirador ver o reconhecimento e a valorização da história e do legado de Pai Ayrton. Sua dedicação à matriz africana e sua luta pela igualdade racial e religiosa são fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. É maravilhoso ver tantas pessoas engajadas não apenas na parte religiosa, mas também no trabalho social e na defesa de importantes pautas da nossa sociedade".

João Conceição disse ainda que a comenda traz mais força e inspiração. "Parabéns a todos por fazerem parte dessa história e por continuarem fortalecendo esses valores. Suas atuações são fundamentais para promover mudanças positivas em nossa comunidade. E que esta comenda traga ainda mais força e inspiração para seguir em frente com este belíssimo trabalho”, expressou João Conceição. 

É preocupante ver que as religiões de matrizes africanas ainda enfrentam tanto preconceito e perseguição; não pode ser mais aceito que as pessoas sejam impedidas de praticar suas crenças ou usar seus trajes rituais; menos ainda que casos de racismo e desrespeito às práticas sagradas continuem acontecendo. 

A liberdade religiosa é um direito fundamental; o evento desta quarta-feira, dia 17, foi de extrema importância para Ananindeua onde o poder executivo e legislativo por meio de seus representantes iniciaram diálogos para propostas futuras de políticas públicas de combate à intolerância religiosa, e para garantir que todas as crenças sejam respeitadas e protegidas

História de Pai Ayrton Soeiro

Pai Ayrton SoeiroPai Ayrton, filho biológico da vó Tuxaua Maria Amélia, nasceu no dia 23 de julho, tendo como signo Leão. Seus orixás são o senhor Ogum Beira-Mar e a senhora Yemanjá. Sua cabocla chefe é a Cabocla Yacira, seu "mão de faca" é o Caboclo João da Mata. Além disso, faziam parte da família espiritual de Pai Ayrton os caboclos Cobra Coral, Jaguá Pinguaraçú, o encantado José Amaral, entre outros trabalhadores que fizeram parte de sua jornada terrena.

Pai Ayrton foi iniciado ainda criança na pajelança na Ilha do Marajó por um pajé local, que lhe deu suas primeiras orientações sobre o caminho sacerdotal que seguiria. Posteriormente, já em Belém, trabalhou com seus guias e recebeu sua outorga de sacerdote de Umbanda na Tenda de Umbanda São Sebastião Oxóssi e Nossa Senhora da Guia, pelos saudosos sacerdotes Tenente Bentes e Mãe Consuelo. Ambos estiveram presentes na inauguração da Tenda Espírita de Umbanda Cabocla Yacira (T.E.U.C.Y.) em 28 de outubro de 1946.

Na década de 50, Pai Ayrton foi iniciado no Tambor de Mina Nagô pelo Babalorixá Almorindo Pimentel, famoso pai crioulo que o iniciou para os orixás Ogum e Yemanjá.

A trajetória sacerdotal de Pai Ayrton foi de 1946 até 2002. Nesse período, atendeu mais de 8.000 pessoas e teve sua mão em mais de 3.000 filhos de Santos.

Em sua juventude, serviu à Força Aérea Brasileira (FAB), foi concursado no antigo INPS (hoje INSS), fez parte da guarda de Nossa Senhora de Nazaré, foi escritor e compositor, sendo uma de suas obras o hino da FEUCABEP.

Como Babalorixá, sonhava em construir uma casa de santo que causasse a sensação de estar entrando na Aruanda ao cruzar os portões de entrada. Trabalhou incansavelmente para tornar esse sonho realidade, construindo a TEUCY no município de Ananindeua com as orientações espirituais de suas entidades. Um fato curioso é que a TEUCY tem como engenheiro e arquiteto o Caboclo João da Mata e como mestre de obras o saudoso Pai Zé, pai biológico da Mãe Yacira.

Pai Ayrton teve uma breve passagem na Nação Ketu na década de 80 com o sacerdote Pai Cícero de Xangô.

Militante atuante na luta pela liberdade religiosa, Pai Ayrton foi membro fundador da Federação Espírita e Umbandista dos Cultos Afros Brasileiros do Estado do Pará (FEUCABEP). Carinhosamente chamado de "Velho Pajé" pelos mais próximos, acreditava em uma sociedade onde vestir branco e adorar Exu seriam tão normais quanto ir à missa. Pai Ayrton foi um homem à frente de sua época, viveu para o sagrado onde sua alegria era servir à espiritualidade. (História de Pai Ayrton Soeiro, por Lucas Irain, bisneto de Pai Ayrton)